quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Quero ser novo



(Tela de Camille Pissarro)

Quero ser novo. Eu, o velho, quero ser novo. Tenho este direito. Não o de ser, mas o de querer. O direito de desejar o impossível, o direito de almejar o improvável, e o dever de continuar. De continuar desejando...
Não se põe vinho novo em odres velhos. Nestes, cabe bem o vinho velho. O vinho novo rompe as estruturas, desequilibra o estado natural das coisas, das coisas velhas do odre velho.
Sou um odre velho, não posso ser um odre novo. Já se foi o lacre, o rótulo, a tampa, o prazo de validade e o que mais podia restar. É verdade, o vinho novo é melhor. Embora a safra antiga traga sabores e lembranças, como um santo remédio, o vinho novo é a certeza de que a vinha ainda é frutífera, de que ainda há cachos de uvas a provar.
Quero ser novo, mas não posso. O ano novo vem, quero ser novo também. Tive trezentos e sessenta e cinco dias para esquecer completamente cada voto que fiz àquela meia-noite... E o que pode mais desejar um velho odre remendado? Estar no seu lugar, pronto para ouvir e aconselhar odres novos e alegres de tanto vinho novo.
Quero ser novo, mas não devo. O dono da vinha tem um plano, e eu estou dentro deste plano. E o que esse plano determina, a cada novo ano, aconteça o que acontecer, não é que eu seja novo, mas sim que eu seja melhor. E é melhor assim, e sempre será. Porque o meu sonho de ser novo, na verdade, já é velho, mas o plano que diz que eu devo ser melhor não diz que eu tenho de ser melhor sozinho. Pelo contrário, não estou sozinho, e não vou estar. Há outros comigo, no mesmo caminho. Estou nas mãos do meu senhor, o Senhor da vinha. Ele me tomou em suas mãos e cuida de mim.
Não posso ser melhor sozinho, mas posso ser melhor. O vinho que vem de mim traz o gosto da memória compartilhada, repartida, provada e aprovada ao longo de cada ano velho que já veio e já passou.
O odre é velho, o vinho também, mas cada gota que é provada traz a quem o experimenta uma nova certeza: a certeza de que, mesmo marcado pelo tempo, é possível ser melhor. Não melhor do que os outros odres – eu não preciso disso. Mas posso ser melhor do que eu mesmo, e esta parece ser uma boa e nova idéia.
Quero ser melhor. Eu, o velho, quero ser melhor. Tenho este dever. O dever de ser, mesmo sem querer. O dever de atender ao desejo dAquele que faz o impossível, que planeja o improvável, e o direito de continuar: de continuar em Suas mãos.
É o que Ele quer de mim. Vai ser melhor assim.
Vou ser melhor assim.

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