domingo, 27 de setembro de 2009

Selva e mar – Rios de Janeiro




Molhei os pés no mar de Ipanema
e por segundos me senti sorvete,
até voltar ao sol que incendeia,
a onda vai e eu sumo na areia.

Percorro os passos da praia do tempo
e, tão distante, tento recordar
a voz do mar, a luz do céu nas águas
do entardecer da Pedra do Arpoador.

Andava livre, descalço, sem medo,
e ao mesmo tempo via o Rio e o mal:
de um lado as ondas vêm e vão, e eu sonho,
do outro, aquela selva é tão real...

Todas as cores do mar são castelos
que a areia insiste em me lembrar,
enquanto as pedras, implacáveis, dizem
que só em sonhos posso ver o mar.

Valsa do poente




Luzes desse mar do fim do entardecer,
o fogo assim desenha a noite que vai ser
o manto negro azul, distante, e as sombras vêm
descolorir além, nuvens encastelar.

E o Autor brande o pincel,
empunha a cor do céu, rascunha o esplendor
e rasga, qual punhal, recortes de cetim,
rajadas de amor, e vem fazer de mim

grão de areia, encantado, coração calado de tanto prazer
sem merecer a paz que tenta me envolver,
e nas brumas do tempo nem sei mais sonhar.

Sei que não vou despertar, meus olhos negam crer,
Meu coração contempla o gosto de entrever
As mãos do Deus Criador fazendo anoitecer.


(do livro Do mar e do poente)

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

O cume do monte




Quem alcançou o cume desse monte
não olha mais o seu árduo caminho,
mas logo vê a linha do horizonte,
contempla o passo rumo ao infinito.

Um brado ao vento, ou lágrima contida,
são poucos gestos, palavras sem voz
que se derramam nesse fim de tarde
em que o silêncio é terno companheiro.

E enquanto acende a chama da fogueira,
acende o lume das lembranças tantas
que o coração insiste em recordar.

Quem alcançou o cume desse monte
toma e tece a linha do horizonte,
faz sua tela à sombra do luar.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Ainda há um preço a pagar?




Há uma vida nova a ser vivida. Não só provada, experimentada, mas vivida em plenitude.
Quando Jesus nos diz que veio para nos dar vida, e vida em abundância, Ele não exclui nenhum dos filhos de Deus. Lembra que do interior de quem nEle crê fluirão rios de água viva? Creia apenas, e os rios fluirão; busque ao Senhor, e a sua alma viverá.
Nada pode nos separar do Seu grande amor. Ele deseja que andemos nEle, como ramos unidos à videira, que dão muito fruto.
Há ainda uma cruz: cada um de nós, se quer ir após Cristo, deve dia a dia negar a si mesmo, tomar a própria cruz e segui-lo. O escritor de Hebreus diz que ainda resta um sacrifício, o sacrifício de louvor, que é o fruto dos lábios que confessam o Seu nome.
Viver a nova vida em Cristo implica renúncia, entrega, domínio próprio, zelo, cuidado, fidelidade, obediência, fé, amor, esperança, e mais uma série de atitudes cristãs. Porém, na palavra de Deus nada encontraremos a respeito de um preço ainda a pagar.
O sacrifício na cruz significa que o escrito de dívida que havia contra nós foi completamente riscado, anulado, totalmente pago. Não houve desconto nenhum, nem barganha, nem negociação, porque o preço foi pago por Deus a Ele mesmo – e nisto o homem só veio a tomar parte como o beneficiário do Seu perdão pela graça.
Jesus nos disse que ainda há uma cruz, mas o nosso fardo é leve, e o Seu jugo é suave. Onde estaria, então, o preço a pagar? Não foi o sangue de Jesus que pagou todo o preço? Se o homem não foi nem nunca será capaz de providenciar a própria salvação, como poderá ainda pagar um preço que está além do sangue do Cordeiro? Só pode haver uma explicação que não manche com o nome de heresia o esforço e a boa vontade de irmãos consagrados ao Senhor: é que o que hoje a igreja gosta de chamar de preço a pagar definitivamente não é preço para Deus.
Preço para Deus é o sangue de Cristo. Qualquer tentativa de alcançar o que o preço pago na cruz significa para Deus será em vão. Sabemos, sim, qual foi o preço pago pelos nossos pecados lá na cruz, mas só Quem o recebeu realmente conhece o valor do sangue derramado, que não cabe em nenhuma medida humana – nem o valor do sangue, nem o tamanho da paz em Deus, nem a infinitude do Seu amor, pois cada uma destas bênçãos excede o nosso entendimento.
O que o homem chama de preço não é preço para Deus. Mas podemos ir além: por que, hoje, a igreja chama de preço a pagar o que é devido ao Senhor pelos Seus filhos redimidos na cruz?
Fomos salvos na cruz, e o preço foi totalmente pago. Ele ressuscitou para nos dar vida nEle. Temos o Seu perdão, ele caminha conosco e não nos deixará. Somos transformados de glória em glória. Morremos para o pecado e vivemos para Cristo Jesus, não para nós mesmos. Ele nos dá paz não como o mundo dá, vida em abundância, nos livra de todas as tribulações, nos conduz em triunfo, somos guiados pelo Seu Espírito e podemos nos assentar em lugares celestiais.
Seria isto tudo mera fantasia? Não, claro que não, porque verdadeiramente nos gloriamos em Deus. Sabemos que a Sua graça nos basta e que o Seu poder se aperfeiçoa na nossa fraqueza. Conhecemos e cremos no amor que Ele tem por nós. Então, se assim é, onde está o preço? Ainda resta um preço a pagar?
Se olharmos do ponto de vista do céu, não há mais preço algum. Está consumado, e foi selado por Deus. Mas, do ponto de vista do homem, ainda que este creia, fazer a vontade de Deus em entrega e submissão completa precisa ser chamado de preço e sacrifício – porque o apego à carne e ao mundo ainda é tão forte que o homem não consegue negar que precisa se esforçar, e muito, para se render a Ele.
Do ponto de vista do homem, primeiro vem o esforço, o preço, o sacrifício – e então pela fé somos aceitos por Deus. Mas para Deus, segundo a Sua palavra, parece ser bem diferente: pela graça somos salvos, mediante a fé, que é dom de Deus, e a fé é dirigida a Cristo como nosso suficiente Deus, Senhor e Salvador.
Onde está o preço, a não ser na cruz? Resta algum sacrifício remidor, ou justificador do homem diante de Deus, além do sacrifício na cruz?
Chamar de preço a nova vida em Cristo sugere que Deus se satisfez com o sangue de Cristo na cruz, mas o homem não. Deus, o Salvador, não precisa de mais nada para nos declarar salvos, mas o homem que ainda crê no preço a pagar exige de si mesmo atos de justiça além do ato soberano e divino da salvação na cruz.
Mas a Sua palavra nos ensina que os nossos atos de justiça são para Ele como trapos de imundícia. E o serão sempre. Não há homem que possa agradar a Deus com a sua própria justiça. Não há preço humano que possa agregar valor ao sangue da cruz.
Há uma vida nova a ser vivida. Não só provada, experimentada, mas vivida em plenitude.

Ainda há um preço a pagar?

Quero ser novo



(Tela de Camille Pissarro)

Quero ser novo. Eu, o velho, quero ser novo. Tenho este direito. Não o de ser, mas o de querer. O direito de desejar o impossível, o direito de almejar o improvável, e o dever de continuar. De continuar desejando...
Não se põe vinho novo em odres velhos. Nestes, cabe bem o vinho velho. O vinho novo rompe as estruturas, desequilibra o estado natural das coisas, das coisas velhas do odre velho.
Sou um odre velho, não posso ser um odre novo. Já se foi o lacre, o rótulo, a tampa, o prazo de validade e o que mais podia restar. É verdade, o vinho novo é melhor. Embora a safra antiga traga sabores e lembranças, como um santo remédio, o vinho novo é a certeza de que a vinha ainda é frutífera, de que ainda há cachos de uvas a provar.
Quero ser novo, mas não posso. O ano novo vem, quero ser novo também. Tive trezentos e sessenta e cinco dias para esquecer completamente cada voto que fiz àquela meia-noite... E o que pode mais desejar um velho odre remendado? Estar no seu lugar, pronto para ouvir e aconselhar odres novos e alegres de tanto vinho novo.
Quero ser novo, mas não devo. O dono da vinha tem um plano, e eu estou dentro deste plano. E o que esse plano determina, a cada novo ano, aconteça o que acontecer, não é que eu seja novo, mas sim que eu seja melhor. E é melhor assim, e sempre será. Porque o meu sonho de ser novo, na verdade, já é velho, mas o plano que diz que eu devo ser melhor não diz que eu tenho de ser melhor sozinho. Pelo contrário, não estou sozinho, e não vou estar. Há outros comigo, no mesmo caminho. Estou nas mãos do meu senhor, o Senhor da vinha. Ele me tomou em suas mãos e cuida de mim.
Não posso ser melhor sozinho, mas posso ser melhor. O vinho que vem de mim traz o gosto da memória compartilhada, repartida, provada e aprovada ao longo de cada ano velho que já veio e já passou.
O odre é velho, o vinho também, mas cada gota que é provada traz a quem o experimenta uma nova certeza: a certeza de que, mesmo marcado pelo tempo, é possível ser melhor. Não melhor do que os outros odres – eu não preciso disso. Mas posso ser melhor do que eu mesmo, e esta parece ser uma boa e nova idéia.
Quero ser melhor. Eu, o velho, quero ser melhor. Tenho este dever. O dever de ser, mesmo sem querer. O dever de atender ao desejo dAquele que faz o impossível, que planeja o improvável, e o direito de continuar: de continuar em Suas mãos.
É o que Ele quer de mim. Vai ser melhor assim.
Vou ser melhor assim.